As dificuldades financeiras continuam a afetar um número elevado de famílias portuguesas, com mais de 15 mil agregados a recorrerem à Deco – Associação Portuguesa para a Defesa do Consumidor – entre janeiro e junho de 2025, devido a situações de sobre-endividamento. Segundo Natália Nunes, coordenadora do Gabinete de Proteção Financeira (GAF) da associação, “o número mantém-se estável face a igual período do ano passado, mas tem-se mantido em níveis bastante elevados nos últimos anos”. O problema agrava-se com a escalada do custo de vida, que está a forçar muitas famílias a recorrer a empréstimos pessoais e cartões de crédito apenas para garantir despesas básicas como alimentação e habitação.
A Deco alerta para uma tendência crescente de pedidos de ajuda por parte de famílias em que todos os membros estão empregados a tempo inteiro, mas que mesmo assim não conseguem fazer face às despesas mensais. “É nestes dois pilares – habitação e alimentação – que recai maior pressão”, explicou Natália Nunes ao Diário de Notícias (DN). A responsável sublinha que, ao contrário de anos anteriores, em que as causas do sobre-endividamento estavam muitas vezes relacionadas com eventos inesperados como desemprego, doença ou divórcio, atualmente o principal fator é o aumento sustentado dos custos de vida.
A subida dos preços no arrendamento está também a transformar o perfil de quem recorre a crédito. “Estamos a receber cada vez mais pedidos relacionados com arrendamento. As pessoas já não recorrem apenas ao crédito para comprar casa, mas também para conseguir pagar uma renda ou cobrir cauções”, afirmou a coordenadora do GAF. Em média, cada uma das famílias apoiadas tem seis créditos diferentes em simultâneo. A maioria dos casos diz respeito a pessoas com idades entre os 40 e os 50 anos, sendo que 27% dos sobre-endividados acompanhados pela Deco são reformados.
O fenómeno do endividamento jovem está igualmente a ganhar relevo, impulsionado pela entrada no mercado do crédito à habitação através da nova garantia pública, destinada a mutuários com menos de 35 anos. A Deco tem notado “um aumento significativo de pedidos de aconselhamento” por parte desta faixa etária, o que não era comum em anos anteriores. Apesar disso, Natália Nunes destaca a atitude responsável dos jovens neste processo: “Estão mais conscientes de que estão a assumir um compromisso a longo prazo e procuram-nos antes de avançar com os contratos”.
Ainda não há registo de incumprimentos por parte dos jovens que recorreram à garantia pública, mas a Deco avisa que esta medida beneficia sobretudo os que têm rendimentos mais elevados. “Há muitos jovens que querem sair da casa dos pais ou deixar de partilhar casa, mas não conseguem porque não têm rendimentos que lhes permitam aceder ao crédito”, alertou a responsável. Esta realidade contrasta com o impacto positivo que o incentivo parece estar a ter junto de outros segmentos da população.
O Banco de Portugal confirmou recentemente que a procura por crédito à habitação voltou a aumentar no segundo trimestre de 2025, em particular devido ao novo enquadramento fiscal e regulamentar do mercado imobiliário. No mais recente Inquérito aos Bancos sobre o Mercado de Crédito, o regulador identificou a garantia pública, bem como a redução das taxas de juro e um maior nível de confiança dos consumidores, como os principais fatores a justificar o crescimento do recurso ao crédito por parte das famílias.














